1. O Diagnóstico Divino: O Que Significa Ter uma "Mente Reprovada"?
O conceito de "mente reprovada", apresentado no livro de Romanos, é um dos diagnósticos espirituais mais sérios das Escrituras. Ele descreve um estado de corrupção mental e moral que não surge do vácuo, mas como um juízo divino sobre aqueles que persistentemente rejeitam a verdade revelada.
O texto-chave que define este estado é:
"E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes..." (Romanos 1:28, Almeida Revista e Atualizada - ARA)
A palavra grega utilizada por Paulo para "reprovável" é adokimos. Este termo era frequentemente usado na metalurgia para descrever um metal que, após ser testado pelo fogo, era considerado impuro, falho e, portanto, rejeitado ou descartado por não atingir o padrão necessário.
Quando aplicada à mente humana, a adokimos mens (mente reprovada) refere-se a um intelecto que falhou no teste divino. Não se trata de uma falha de capacidade cognitiva ou de inteligência, mas de uma falha moral e espiritual. É uma mente que perdeu a capacidade de discernir corretamente, de avaliar o que tem verdadeiro valor.
Esse estado é a consequência direta de uma escolha humana: "por haverem desprezado o conhecimento de Deus". Ao se recusarem a "reter Deus no seu conhecimento" (como dizem outras versões), a própria faculdade de julgamento moral se torna corrompida. A mente deixa de funcionar como Deus a projetou. Ela passa a aprovar o mal e a desprezar o bem, invertendo os padrões divinos e considerando as "coisas inconvenientes" — atos contrários à natureza de Deus — como aceitáveis ou até desejáveis.
2. A Raiz do Problema: O Desprezo Voluntário pelo Conhecimento de Deus
A condição de "mente reprovada" não é um estado que Deus impõe arbitrariamente. As Escrituras são claras ao afirmar que ela é o resultado direto de uma escolha humana deliberada. O apóstolo Paulo identifica a origem exata desse juízo:
"E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus..." (Romanos 1:28a, ARA)
A raiz de todo o colapso moral e espiritual descrito por Paulo não é a ignorância, mas a rejeição. O termo grego para "desprezado" (ou "não se importaram em reter" em outras traduções) implica uma decisão ativa. A humanidade foi exposta à verdade de Deus, mas escolheu não lhe dar o devido valor; decidiu que o conhecimento do Criador não era algo digno de ser "retido" ou "preservado" em sua cultura, em sua filosofia e em seu coração.
Paulo argumenta, nos versículos anteriores, que esta rejeição é indesculpável, pois a própria criação testifica do Criador:
"Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis;" (Romanos 1:20, ARA)
Mesmo tendo acesso a essa revelação natural, a escolha foi de suprimir a verdade. O problema não foi a falta de evidência de Deus, mas a falta de vontade de honrá-Lo:
"porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato." (Romanos 1:21, ARA)
Este é o processo trágico: o conhecimento de Deus é apresentado; esse conhecimento é ativamente desprezado e trocado pela idolatria (v. 23); o coração se obscurece; e, como resultado direto desse desprezo voluntário, Deus "os entrega" a um estado mental que já não consegue discernir a Sua vontade.
3. A Ação Punitiva de Deus: "Deus os Entregou"
A frase "Deus os entregou" (em grego, paradidomi) é uma das expressões teológicas mais terríveis e solenes do Novo Testamento. Ela não descreve um ato de Deus forçando alguém a pecar, pois Deus é santo e não pode ser autor do mal (Tiago 1:13). Em vez disso, ela descreve um ato de juízo judicial e passivo.
É a ação de um Deus justo que, após a persistente rejeição de Sua verdade, retira Sua graça restritiva e permite que os seres humanos sigam o caminho que eles mesmos escolheram, entregando-os às consequências naturais de suas próprias decisões pecaminosas.
No capítulo 1 de Romanos, este ato de "entrega" divina é mencionado três vezes, mostrando uma progressão assustadora do juízo:
- Verso 24: "...Deus os entregou à imundícia, pelas concupiscências de seus próprios corações..." (A entrega aos desejos corruptos).
- Verso 26: "Por causa disso, os entregou Deus a paixões infames..." (A entrega a atos antinaturais).
- Verso 28: "...o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável..." (A entrega à própria mente corrompida).
O ápice desse juízo é a entrega à "mente reprovada". Aqui, o castigo de Deus pelo pecado é, em certo sentido, o próprio pecado. Ao rejeitarem a luz do conhecimento de Deus, Deus os entrega à escuridão de suas próprias mentes. Eles queriam viver sem Deus, e Deus lhes concede esse desejo. O resultado é a perda do referencial moral, a incapacidade de pensar corretamente sobre as questões espirituais e éticas. A mente, privada da verdade de Deus, torna-se sua própria prisão e seu próprio carrasco.
"...o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes..." (Romanos 1:28, ARA)
Esta é a consequência final da rebelião: não apenas praticar o erro, mas perder a capacidade de discernir o que é o erro.
4. Os Frutos da Mente Reprovada: A Prática das "Coisas Inconvenientes"
Quando a mente humana perde o "conhecimento de Deus" como seu referencial absoluto, ela não se torna neutra; ela inevitavelmente se preenche com outros valores. O apóstolo Paulo chama o resultado disso de "coisas inconvenientes" (Romanos 1:28).
O termo "inconvenientes" (em grego, ta me kathekonta) é um eufemismo severo. Significa aquilo que é inapropriado, que não se encaixa no padrão divino da decência e da ordem. O que se segue é um catálogo sombrio, não apenas de ações, mas de disposições de caráter, que brotam naturalmente de uma mente que já não serve a Deus.
Paulo lista essa colheita terrível:
"cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia." (Romanos 1:29-31, ARA)
Esta lista é abrangente e aterrorizante. Ela demonstra o colapso total do relacionamento humano com Deus e com o próximo:
- Corrupção Interna: Injustiça, malícia, avareza, maldade.
- Conflito Relacional: Inveja, homicídio, contenda, dolo (engano).
- Degradação do Caráter: Malignidade, difamação, calúnia.
- Atitudes contra Deus e o Próximo: Aborrecidos de Deus (lit. "odiadores de Deus"), insolentes, soberbos, presunçosos.
- Inovação para o Mal: Inventores de males.
- Quebra da Ordem Social: Desobedientes aos pais (a unidade básica da sociedade).
- Colapso da Integridade: Insensatos (sem discernimento moral), pérfidos (quebram alianças), sem afeição natural (falta de amor familiar) e sem misericórdia.
O ponto crucial é que estes não são pecados isolados de pessoas que "escorregaram". São os frutos consistentes de uma mente que foi entregue a si mesma. Uma sociedade ou um indivíduo que rejeita Deus não se torna moralmente melhor ou "livre"; torna-se escravo dessa lista. A "mente reprovada" passa a justificar, celebrar e praticar ativamente essas "coisas inconvenientes".
Compreendido. Concluímos agora o artigo voltando ao início do capítulo de Romanos, onde Paulo, antes mesmo de diagnosticar a doença, apresenta o único remédio.
5. A Única Solução: O Evangelho como Poder de Deus para Salvação (Romanos 1:16)
Diante de um diagnóstico tão severo como a "mente reprovada" e um catálogo de pecados tão profundo (Romanos 1:29-31), a condição humana pareceria irremediável. Se a própria mente, que deveria discernir, está corrompida e entregue ao erro, como pode o homem encontrar o caminho de volta?
A resposta de Paulo é gloriosa e antecede todo o diagnóstico. Antes de expor a ira de Deus (v. 18 em diante), ele estabelece a provisão de Deus:
"Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego;" (Romanos 1:16, ARA)
A solução para a mente reprovada não é a filosofia humana, a ética secular ou o esforço próprio, pois todos estes dependem da mesma mente que já está comprometida. A única solução é uma intervenção externa e sobrenatural: o poder de Deus (dynamis), manifesto no Evangelho.
O Evangelho são as Boas Novas de que Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio ao mundo, viveu uma vida perfeita (que nós não poderíamos viver), morreu na cruz para pagar a penalidade pelos nossos pecados (incluindo o desprezo pelo conhecimento de Deus) e ressuscitou, vencendo a morte.
- Enquanto a mente reprovada é o resultado da rejeição da verdade, a salvação vem pela fé (crença) nessa verdade.
- Enquanto a mente reprovada é o juízo de Deus entregando o homem ao pecado, o Evangelho é o poder de Deus libertando o homem do pecado.
A fé em Jesus Cristo não apenas garante o perdão dos pecados listados em Romanos 1, mas também inicia um processo de cura para a própria mente. O Evangelho é o único poder capaz de reverter o juízo da mente reprovada, oferecendo o que Paulo chama em Romanos 12:2 de "renovação da vossa mente", para que possamos experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Portanto, embora Romanos 1 seja um dos capítulos mais sombrios da Bíblia, ele serve como o pano de fundo escuro necessário para que a luz do Evangelho brilhe com poder incomparável.
5. A Única Solução: O Evangelho como Poder de Deus para Salvação (Romanos 1:16)
Diante de um diagnóstico tão severo como a "mente reprovada" e um catálogo de pecados tão profundo (Romanos 1:29-31), a condição humana pareceria irremediável. Se a própria mente, que deveria discernir, está corrompida e entregue ao erro, como pode o homem encontrar o caminho de volta?
A resposta de Paulo é gloriosa e antecede todo o diagnóstico. Antes de expor a ira de Deus (v. 18 em diante), ele estabelece a provisão de Deus:
"Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego;" (Romanos 1:16, ARA)
A solução para a mente reprovada não é a filosofia humana, a ética secular ou o esforço próprio, pois todos estes dependem da mesma mente que já está comprometida. A única solução é uma intervenção externa e sobrenatural: o poder de Deus (dynamis), manifesto no Evangelho.
O Evangelho são as Boas Novas de que Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio ao mundo, viveu uma vida perfeita (que nós não poderíamos viver), morreu na cruz para pagar a penalidade pelos nossos pecados (incluindo o desprezo pelo conhecimento de Deus) e ressuscitou, vencendo a morte.
- Enquanto a mente reprovada é o resultado da rejeição da verdade, a salvação vem pela fé (crença) nessa verdade.
- Enquanto a mente reprovada é o juízo de Deus entregando o homem ao pecado, o Evangelho é o poder de Deus libertando o homem do pecado.
A fé em Jesus Cristo não apenas garante o perdão dos pecados listados em Romanos 1, mas também inicia um processo de cura para a própria mente. O Evangelho é o único poder capaz de reverter o juízo da mente reprovada, oferecendo o que Paulo chama em Romanos 12:2 de "renovação da vossa mente", para que possamos experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Augustus Nicodemus. 08. Mentes Reprovadas - (Rm 1.28-31). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Vlyb7TYHz4Q&list=PLQ__KBt7xtI-XkAaKZmLolb4VlGsMDex1&index=8.