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A Necessidade e o Processo Bíblico da Disciplina Eclesiástica

A igreja cristã é, por definição, um ambiente de acolhimento, hospitalidade e graça. No entanto, essas características não devem ser confundidas com permissividade ou indiferença em relação ao pecado. Para a manutenção da saúde espiritual da comunidade e do próprio indivíduo, a Bíblia estabelece a necessidade da disciplina eclesiástica. Este processo não é uma invenção humana ou administrativa, mas uma instrução direta de Jesus Cristo e dos apóstolos, visando a correção, o arrependimento e a restauração.

O Modelo de Jesus: Gradualidade e Misericórdia

O fundamento da disciplina na igreja encontra-se nas palavras de Jesus registradas no Evangelho de Mateus. O Senhor propõe uma abordagem progressiva, que busca resolver a questão com o máximo de discrição possível antes de torná-la pública.

"Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano." (Mateus 18:15-17)

Jesus estabelece três etapas claras:

  1. Abordagem Individual: A tentativa inicial deve ser particular. O objetivo é ganhar o irmão, ou seja, levá-lo à consciência do erro sem exposição desnecessária.
  2. Mediação de Testemunhas: Se a obstinação persistir, amplia-se o círculo para incluir uma ou duas testemunhas, garantindo que a advertência seja confirmada e séria.
  3. Apresentação à Igreja: Em último caso, a situação é levada à congregação.

Se, após todas essas tentativas de misericórdia e advertência, o indivíduo decidir permanecer no erro, a orientação de Jesus é a exclusão: "considera-o como gentio e publicano". No contexto judaico da época, o gentio era o estrangeiro (não pertencente à aliança) e o publicano era visto como um traidor do povo. Em termos eclesiásticos, isso significa a excomunhão: o indivíduo deixa de ser considerado membro da comunidade de fé.

O Propósito Pedagógico e Restaurador

É crucial compreender que a excomunhão não é um ato de vingança ou arbitrariedade, mas uma medida extrema visando o próprio bem da pessoa. O apóstolo Paulo, ao tratar de um caso grave de imoralidade em Corinto, ilustra a teologia por trás dessa ação drástica.

Havia na igreja de Corinto um homem que mantinha um relacionamento incestuoso com a mulher de seu pai. Paulo repreende a igreja não apenas pelo pecado do homem, mas pela passividade e arrogância da congregação em tolerar tal ato. A instrução apostólica é severa:

"Seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus." (1 Coríntios 5:5)

A expressão "entregue a Satanás" é uma linguagem figurada para descrever a remoção da pessoa da proteção espiritual da igreja ("a casa de Deus"). Ao ser lançado fora da comunhão, o indivíduo fica à mercê do mundo e das consequências de seus atos. A esperança bíblica é que, ao experimentar a dureza da vida longe da proteção de Deus e da comunhão fraterna — semelhante à parábola do Filho Pródigo — a pessoa caia em si, arrependa-se e volte.

Portanto, a disciplina tem um caráter pedagógico. Em 1 Timóteo 1:20, Paulo menciona Himeneu e Alexandre, que foram "entregues a Satanás" com um objetivo específico: "para que aprendam a não blasfemar". O alvo final é sempre o aprendizado, o arrependimento e a salvação do espírito.

A Abrangência da Disciplina

Embora pecados sexuais sejam frequentemente o foco de processos disciplinares, a Bíblia apresenta uma lista mais ampla de comportamentos que afetam a comunhão e exigem correção. Paulo instrui a não se associar com quem, dizendo-se irmão, for:

"...devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais." (1 Coríntios 5:11)

Merece destaque o termo "maldizente". Este se refere àquele que difama, ao fofoqueiro, à pessoa que utiliza a língua para semear discórdia contra a liderança ou outros irmãos. Tal comportamento é tóxico para o corpo de Cristo e deve ser tratado com a mesma seriedade que outras transgressões morais, pois "um pouco de fermento leveda toda a massa" (1 Co 5:6). A tolerância com o pecado, seja ele qual for, contamina a comunidade e encoraja outros a seguirem o mesmo caminho.

Restauração e Zelo

A aplicação da disciplina exige maturidade. Em Gálatas 6:1, somos orientados a encaminhar o faltoso com "espírito de mansidão", cuidando para não cairmos na mesma tentação. A igreja deve ter paciência e esgotar as tentativas de correção antes da exclusão.

A forma como o afastamento ocorre pode variar conforme o sistema de governo da denominação (congregacional, onde a igreja vota, ou episcopal, onde a liderança decide), mas o princípio bíblico permanece: a igreja deve ser santa. Além disso, a disciplina protege o testemunho da liderança. Conforme as cartas às igrejas no Apocalipse, uma comunidade ou um líder que não se arrepende pode ter seu "castiçal removido", perdendo sua posição e utilidade no Reino.

Em suma, a disciplina eclesiástica é um ato de amor: amor pela santidade de Deus, amor pela saúde da igreja e, em última análise, amor pela alma do pecador que precisa ser confrontado para ser salvo.


A Distinção Teológica entre Sacramentos e Ordenanças

Ao abordarmos os ritos fundamentais da igreja cristã, especialmente o Batismo e a Santa Ceia, deparamo-nos com uma divergência terminológica e teológica significativa entre as tradições Católica e Protestante (Evangélica). A escolha das palavras "Sacramento" ou "Ordenança" não é meramente semântica, mas reflete uma compreensão profunda sobre como a graça de Deus opera na vida do crente.

O Conceito de Sacramento: Um Meio de Graça

O termo Sacramento tem origem no latim e remete a algo "sagrado" ou "dedicado ao sagrado". Na teologia católica, e também em alguns grupos protestantes históricos, o sacramento é entendido como um meio de graça.

Embora ambas as tradições concordem que a salvação é pela graça (um favor imerecido de Deus), a visão sacramental propõe que é através destes ritos que o pecador toma posse ou recebe essa graça divina. Por exemplo, nesta perspectiva, o batismo não é apenas um símbolo, mas o veículo pelo qual a salvação ou a regeneração é conferida ao indivíduo.

A Igreja Católica, especificamente, reconhece sete sacramentos que cobrem toda a jornada da vida cristã, incluindo o Batismo, a Eucaristia (Santa Ceia), a Crisma, a Ordem (ordenação ministerial), o Matrimônio, a Penitência e a Unção dos Enfermos (extrema-unção).

A Visão Evangélica: Ordenanças Simbólicas

Em contraste, a maioria das igrejas evangélicas adota o termo Ordenanças. A ênfase aqui recai sobre a obediência a uma ordem direta de Jesus Cristo, despindo o ato de um poder salvífico intrínseco.

Para o pensamento evangélico geral, as ordenanças são atos simbólicos e memoriais. Elas não conferem salvação, mas representam uma realidade espiritual que já ocorreu na vida do crente.

  • O Batismo: Não regenera o pecador. Ele simboliza o novo nascimento e a lavagem dos pecados que a pessoa já experimentou ao entregar sua vida a Cristo e exercer fé. É uma publicação da fé, não a causa dela.
  • A Santa Ceia: Não é um novo sacrifício nem confere graça perdoadora por si mesma, mas é um memorial da obra consumada de Cristo na cruz.

Diferentemente do catolicismo, os evangélicos reconhecem apenas duas ordenanças bíblicas instituídas por Jesus: o Batismo e a Santa Ceia. Ritos como o matrimônio ou a ordenação de pastores, embora importantes e praticados, não são elevados ao status de ordenanças ou sacramentos no mesmo sentido teológico.

Paralelos com a Tradição Judaica

Para melhor compreender a função e o significado dessas duas ordenanças no Novo Testamento, é útil observar seus paralelos na tradição judaica e na história de Israel:

  1. Batismo e Circuncisão: Assim como a circuncisão era o rito de entrada que tornava o filho de um israelita parte formal da aliança e da comunidade judaica, o batismo é o ato que identifica o crente como parte da igreja e do corpo de Cristo.
  2. Santa Ceia e Páscoa: Da mesma forma que a Páscoa celebrava a libertação do povo de Israel da escravidão no Egito, a Santa Ceia foi instituída por Jesus durante uma celebração pascoal para rememorar a nossa libertação do mundo e do pecado através do seu sacrifício.

Essas correlações ajudam a situar as ordenanças não como invenções isoladas, mas como a continuidade e o cumprimento de símbolos que Deus já utilizava para se relacionar com seu povo, agora ressignificados na Nova Aliança.


O Batismo Cristão: Etimologia, Modos e Significado Teológico

O batismo é uma das práticas mais centrais da fé cristã, mas sua aplicação e significado variam entre diferentes denominações. Para compreendermos sua profundidade, devemos examinar desde a raiz da palavra até o exemplo deixado pelo próprio Cristo.

Etimologia e a Questão da Imersão

A palavra "batismo" deriva do verbo grego baptidzo, que possui significados como mergulhar, imergir e lavar.

Frequentemente, defensores do batismo exclusivamente por imersão argumentam que, se a palavra significa "mergulhar", qualquer outra forma seria inválida. Contudo, o uso bíblico do termo é mais nuançado. O verbo também é usado no sentido de "lavar" ou "purificar", sem necessariamente implicar submersão total.

Um exemplo claro encontra-se em Marcos 7:4:

"E, quando voltam do mercado, se não se lavarem [baptisontai], não comem. E muitas outras coisas há que receberam para observar, como lavar [baptismos] os copos, e os jarros, e os vasos de metal e as camas."

Neste texto, a palavra grega traduzida por "lavar" é uma variação de baptidzo. É improvável que os judeus lavassem suas "camas" ou divãs de refeição mergulhando-os inteiramente em água. O sentido aqui é de purificação ritual, que poderia ocorrer jogando água sobre o objeto. Isso demonstra que o termo linguístico, por si só, não exige obrigatoriamente a imersão total, embora este seja o sentido primário.

Os Três Modos de Batismo

Historicamente e teologicamente, identificam-se três formas principais de realizar o batismo:

  1. Imersão: O candidato é completamente submerso na água.
    • Este é considerado o método original e bíblico. As descrições de João Batista e de Jesus batizando em rios (onde há abundância de água) indicam fortemente que a imersão era a prática apostólica.
  2. Aspersão: A água é respingada ou salpicada sobre a pessoa.
  3. Efusão: A água é derramada sobre a cabeça da pessoa (geralmente com as mãos em forma de concha ou um recipiente).

Origem da Aspersão e Efusão: Embora a imersão fosse o padrão, a igreja primitiva começou a adotar outros métodos por "conveniência" e necessidade pastoral. Em casos de enfermos no leito de morte, deficientes físicos, idosos ou prisioneiros que não podiam ser levados a um rio ou piscina, a aspersão tornou-se uma alternativa válida.

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Com o tempo, a Igreja Católica e algumas tradições protestantes (como a Presbiteriana) adotaram a aspersão/efusão como prática padrão pela sua praticidade. No entanto, para muitas igrejas batistas e pentecostais, a imersão continua sendo o único modelo aceito, muitas vezes exigindo o rebatismo de membros vindos de tradições que batizam por aspersão.

O Batismo de Jesus

Uma questão teológica intrigante é: Se o batismo é para arrependimento de pecados, por que Jesus, que não tinha pecado, foi batizado?

O batismo de Jesus teve propósitos distintos do nosso:

  1. Consagração Messiânica: Foi no batismo que Jesus foi "empossado" oficialmente em seu ministério. Assim como reis e sacerdotes eram ungidos, o batismo serviu como a autenticação pública do Pai ("Este é o meu filho amado") e do Espírito Santo descendo sobre Ele, revelando-o a Israel (João 1:31).
  2. Identificação com os Pecadores: Jesus disse a João Batista: "Deixa por agora, porque assim nos convém cumprir toda a justiça" (Mateus 3:15). Ao se batizar, Jesus se identificou com a humanidade caída que Ele veio salvar. Ele se colocou no lugar dos pecadores, validando a mensagem de João e o caminho de justiça que Deus havia estabelecido.

Significado para o Crente: Perdão e Discipulado

Para nós, o batismo carrega dois significados vitais:

  • Perdão e Arrependimento: Pedro instrui em Atos 2:38: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado... para perdão dos pecados". O ato físico não perdoa pecados magicamente, mas é a expressão externa necessária de um arrependimento interno genuíno. Sem arrependimento, o batismo é apenas um banho; com arrependimento, é o marco do perdão.
  • Discipulado e Identificação com Cristo: O batismo é a porta de entrada para o discipulado (Mateus 28:19). Mais do que filiar-se a uma denominação local, o batismo identifica a pessoa com o Evangelho.

O caso do Eunuco Etíope (Atos 8) ilustra isso perfeitamente: Filipe o batizou no deserto assim que ele creu. Logo após, Filipe foi arrebatado e o Eunuco seguiu seu caminho. Ele não se tornou membro da "Igreja de Filipe", mas tornou-se membro do Corpo de Cristo. O batismo, portanto, é primariamente um vínculo com Jesus, e não apenas um processo burocrático de membresia institucional.


Condições para o Batismo, a Questão Infantil e o Rebatismo

Para que o batismo seja considerado bíblico e legítimo, a Escritura apresenta pré-requisitos claros. Contudo, ao longo da história, interpretações teológicas distintas levaram a práticas variadas, como o batismo de crianças e a exigência de rebatismo em certas transições denominacionais.

Fé e Arrependimento: As Condições Bíblicas

As Escrituras estabelecem duas condições fundamentais para que alguém seja submetido ao batismo: e Arrependimento.

O relato do eunuco etíope em Atos 8 deixa isso evidente. Quando o eunuco pergunta o que o impede de ser batizado, Filipe responde: "É lícito, se crês de todo o coração" (Atos 8:37). Da mesma forma, Pedro associa o batismo diretamente ao ato de se arrepender (Atos 2:38) e Jesus afirma em Marcos 16:16: "Quem crer e for batizado será salvo".

Muitas igrejas modernas acrescentaram uma série de critérios burocráticos ou morais para o batismo, como a conclusão de cursos de discipulado longos, a regularização do estado civil ou a libertação total de vícios. Embora a santificação e a regularização da vida sejam processos vitais e esperados na caminhada cristã, biblicamente, eles são frutos que se seguem à conversão, e não pré-requisitos para o batismo. O batismo não é um "certificado de perfeição" para quem já resolveu todos os seus problemas, mas o compromisso público de alguém que creu, se arrependeu e deseja iniciar uma nova vida com Cristo.

O Batismo Infantil (Pedobatismo)

A prática de batizar crianças, comum no Catolicismo e em igrejas reformadas históricas (como a Presbiteriana), baseia-se na teologia da Aliança.

  1. Paralelo com a Circuncisão: O argumento central é que o batismo substituiu a circuncisão. Como no Antigo Testamento os meninos eram circuncidados ao oitavo dia para entrar na aliança de Deus com Israel, entende-se que os filhos de cristãos também devem receber o sinal da aliança (batismo) desde cedo.
  2. Pecado Original (Visão Católica): Na teologia católica, o batismo é necessário para lavar o pecado original herdado de Adão. Como é visto como um sacramento que confere graça, quanto mais cedo for ministrado, melhor para a segurança espiritual da criança.
  3. A Visão de Lutero: Martinho Lutero não se opôs ao batismo infantil. Ele argumentava que a fé é, em essência, confiança e dependência de Deus. Como uma criança confia intrinsecamente em seus pais, Lutero via nisso uma forma de fé inconsciente que validava o batismo.

A Visão Anabatista e o Batismo de Crentes

Em contrapartida, a maioria das igrejas evangélicas (especialmente as de tradição batista e pentecostal) pratica o Credobatismo (batismo de crentes).

Essa posição foi defendida radicalmente pelos Anabatistas durante a Reforma Protestante. O termo "anabatista" significa "rebatizadores". Eles rejeitavam o batismo infantil por entenderem que uma criança não possui capacidade cognitiva para cumprir as condições bíblicas: crer conscientemente e arrepender-se.

"Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado..." (Atos 2:38)

Se o arrependimento exige uma mudança de mente e a fé exige uma decisão pessoal, o batismo realizado em um bebê seria inválido. Portanto, aqueles que foram batizados na infância devem ser batizados novamente na idade adulta, após uma profissão de fé voluntária.

A Questão do Rebatismo entre Denominações

Uma dúvida comum surge quando um cristão muda de denominação. Se alguém foi batizado por aspersão (em uma igreja presbiteriana, por exemplo) e migra para uma igreja que pratica a imersão (como a batista), deve se batizar de novo?

Muitas igrejas que defendem a imersão exigem o rebatismo, considerando que a forma anterior (aspersão) não cumpriu o simbolismo bíblico de sepultamento e ressurreição. Embora possa parecer rigoroso, não deve ser motivo de constrangimento. O batismo é uma oportunidade de testificar publicamente a fé. Se a consciência do crente ou a regra da nova comunidade pede um novo batismo, isso pode ser visto como uma renovação de votos e uma reafirmação do compromisso com Cristo, e não como uma anulação da experiência de fé anterior.


A Santa Ceia: Da Festa Ágape à Celebração da Memória e Comunhão

A segunda ordenança fundamental da igreja cristã é a Santa Ceia. Assim como o batismo, este ato carrega profundos significados teológicos e históricos que, muitas vezes, são obscurecidos pela repetição ritualística moderna. Para compreendermos sua essência, precisamos revisitar suas origens e o contexto em que foi estabelecida e praticada pela igreja primitiva.

Eucaristia e as Festas de Amor

No contexto litúrgico, muitas tradições, especialmente a Católica, referem-se à ceia como Eucaristia. Este termo deriva do grego eucharistia, que significa "ação de graças". O nome é apropriado, pois os evangelhos registram que Jesus, ao instituir a ceia, "tomou o pão e, havendo dado graças, o partiu".

Diferentemente do pequeno cálice e do pedaço de pão que costumamos ver nos cultos hoje, na igreja primitiva, a celebração da ceia estava integrada a uma refeição completa e comunitária. Essas reuniões eram chamadas de Festas Ágape ou "Festas de Amor" (ou Caridade). A carta de Judas faz menção direta a esses eventos:

"Estes são manchas em vossas festas de amor [ágapes], banqueteando-se convosco..." (Judas 1:12)

Nestas ocasiões, os cristãos se reuniam para compartilhar alimentos, sustentar uns aos outros e, no contexto desse banquete, celebravam a memória do corpo e do sangue de Cristo.

O Conflito em Corinto: Desigualdade e Discernimento

Foi justamente a dinâmica dessas refeições que gerou a severa repreensão do apóstolo Paulo à igreja de Corinto. O problema não era teológico em abstrato, mas social e relacional.

A cidade de Corinto tinha uma grande população de escravos e trabalhadores braçais, mas a igreja também contava com membros ricos. Nas reuniões, que ocorriam em casas, a arquitetura da época (com o triclinium – sala de jantar para a elite – e o átrio comum) favorecia a divisão. Os ricos e livres chegavam mais cedo, ocupavam os melhores lugares e comiam e bebiam fartamente de sua própria comida. Quando os escravos e pobres chegavam, após longas jornadas de trabalho, já não havia comida, e os primeiros já estavam embriagados.

Paulo expõe essa vergonha em 1 Coríntios 11:

"Quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor. Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia; e assim um tem fome e outro embriaga-se... Desprezais a igreja de Deus, e envergonhais os que nada têm?" (1 Coríntios 11:20-22)

O apóstolo esclarece que, se o objetivo fosse apenas matar a fome física, deveriam comer em casa. A reunião da igreja tinha um propósito sagrado de comunhão.

Aqui entendemos o significado de "comer indignamente" e "não discernir o corpo do Senhor". Neste contexto, discernir o corpo refere-se a reconhecer a Igreja como corpo de Cristo. Aquele que come o pão ignorando o irmão pobre ao lado, desprezando a igualdade e a unidade da fé, come indignamente, pois viola o próprio espírito da comunhão que a cruz estabeleceu.

O Verdadeiro Sentido de Comunhão

A Santa Ceia não deve ser um ritual frio, apressado ou individualista. Ela é o símbolo máximo de duas vertentes de comunhão:

  1. Comunhão com Cristo: Ao participarmos dos elementos, reafirmamos nossa conexão vital com Ele, lembrando sua morte e aguardando sua volta.
  2. Comunhão uns com os outros: A ceia nivela todos aos pés da cruz. Ali não há rico nem pobre, escravo ou livre; somos um só corpo.

Se a celebração não promove a unidade e o amor fraternal, ela perde seu propósito, tornando-se, nas palavras de Paulo, uma reunião "não para melhor, senão para pior".

A Ceia e o Batismo: Uma Relação Intrínseca

Uma dúvida comum é se o batismo é um pré-requisito obrigatório para participar da Santa Ceia. A Bíblia não traz um versículo explícito dizendo "só tome a ceia quem for batizado", mas essa ausência de regra se deve a um fato histórico simples: na igreja primitiva, todo cristão era batizado.

Não existia a categoria de "crente não batizado" por longo prazo. A conversão era seguida quase imediatamente pelo batismo (como visto no dia de Pentecostes ou na casa de Cornélio). O batismo era a confissão pública de fé. Portanto, era óbvio que aqueles que partiam o pão já haviam passado pelas águas.

O costume moderno de adiar o batismo por meses ou anos é uma anomalia histórica, muitas vezes gerada por burocracias eclesiásticas ou por uma compreensão equivocada de que a pessoa precisa atingir um nível de perfeição moral antes de se batizar. O padrão bíblico sugere que a fé e o arrependimento levam ao batismo, e o batismo insere o indivíduo na vida plena da comunidade, o que inclui a participação na mesa do Senhor.


Iury Rangel. Sistemática: Eclesiologia - Aula 4 (29/05/25). https://www.youtube.com/watch?v=30h-7Rf0kaU&list=PLPzTWfHlWljo-QrJm2iz6inGOE7C-YYPD

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há 1 hora
Matéria: Bíblia
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