1. Natanael: Transformação e Propósito: Lições de Eliseu em Jericó e o Chamado dos Discípulos

1. Introdução: O Poder da Intervenção Divina

Em diversas passagens das Escrituras, encontramos narrativas que desafiam a lógica humana e demonstram um poder capaz de reverter cenários de desesperança. Situações de esterilidade, amargura e estagnação são frequentemente o palco onde a intervenção divina se manifesta de forma mais clara e transformadora. Essas histórias não são apenas relatos antigos, mas fontes de princípios atemporais sobre fé, propósito e a autoridade espiritual que pode alterar a realidade.

Este artigo explora duas narrativas centrais que, embora distintas, se conectam pelo tema da transformação radical. Primeiramente, mergulharemos na história do profeta Eliseu em Jericó, onde uma terra infértil e águas impróprias foram curadas por um ato simbólico e poderoso. Em seguida, analisaremos o chamado dos doze discípulos por Jesus, um processo que revela como a escolha divina, fundamentada em oração, pode selecionar pessoas improváveis para um propósito extraordinário. Juntas, essas passagens nos ensinam sobre como a autoridade de Deus, quando exercida, traz vida onde havia morte e propósito onde reinava o acaso.


2. Jericó: Uma Terra Estéril e Águas Amargas

A narrativa, conforme registrada no livro de 2 Reis, nos transporta para a cidade de Jericó, um lugar de grande importância histórica e geográfica. Conhecida como a "cidade das palmeiras", sua localização era privilegiada e seu aroma, segundo relatos, podia ser sentido à distância. No entanto, por trás dessa fachada de boa habitação, a cidade enfrentava um problema fundamental que comprometia sua existência e futuro.

Os próprios habitantes da cidade apresentaram a questão ao profeta Eliseu, que ali permanecia. Em 2 Reis 2:19, eles declaram:

"Eis que é boa a habitação desta cidade, como o meu senhor vê; porém as águas são más, e a terra é estéril."

Esta declaração revela um paradoxo doloroso: um lugar com enorme potencial era neutralizado por uma maldição em suas fontes de vida.

As águas, descritas como "más" ou amargas, não eram potáveis, representando um risco à saúde e ao sustento da população. Consequentemente, a terra se tornava "estéril", incapaz de produzir frutos e garantir a prosperidade de seus moradores. Era uma realidade de estagnação e escassez, uma condição que parecia irremediável aos olhos dos homens da cidade, que a viam como um fato consumado e imutável.


3. A Solução Profética: A Salva Nova e o Sal

Diante do diagnóstico apresentado pelos homens de Jericó, a resposta de Eliseu não foi de concordância passiva, mas de ação profética. Ele não se limitou a observar o problema, mas agiu com a autoridade que lhe fora conferida, propondo uma solução que transcendia a lógica natural.

Sua instrução foi específica e carregada de simbolismo, conforme registrado em 2 Reis 2:20:

"Trazei-me uma salva nova e ponde nela sal."

A escolha desses dois elementos não foi aleatória, mas fundamental para o milagre que estava por vir. A exigência de uma "salva nova", ou um recipiente que nunca havia sido usado, aponta para o princípio de que uma obra divina de renovação requer um instrumento puro, livre das contaminações e associações com o problema antigo. Para que o novo pudesse se manifestar, era preciso romper com o velho.

Com os elementos em mãos, Eliseu não realiza o ato de qualquer lugar. O versículo 21 relata que ele "saiu ao manancial das águas e deitou sal ali". Ele foi diretamente à fonte do problema. Esta atitude ensina uma lição poderosa: soluções verdadeiras e duradouras são alcançadas quando se trata a raiz da questão, e não apenas os seus sintomas. A esterilidade da terra era uma consequência; a fonte de águas amargas era a causa.

Foi no manancial que Eliseu uniu o ato simbólico à declaração de poder. Ao lançar o sal, ele proferiu as palavras que selaram a transformação:

"Assim diz o Senhor: Sararei estas águas; e não haverá mais nelas morte nem esterilidade" (2 Reis 2:21).

A cura, portanto, não emanava do sal em si, mas da palavra de Deus liberada através da obediência e da autoridade do profeta.


4. O Simbolismo do Sal: Purificação e Aliança

A escolha do sal por Eliseu não foi um ato arbitrário. Na cultura e na teologia bíblica, o sal é uma substância carregada de significados profundos, e seu uso na cura das águas de Jericó evoca dois conceitos centrais: purificação e aliança.

Primeiramente, o sal estava associado à purificação e à preservação. Um exemplo cultural dessa prática é mencionado no livro de Ezequiel, que, ao descrever o abandono de Jerusalém em sua infância simbólica, afirma:

"E, quanto ao teu nascimento, no dia em que nasceste, não te foi cortado o umbigo, nem foste lavada com água para te limpar; nem tampouco foste esfregada com sal, nem envolta em faixas" (Ezequiel 16:4).

Este versículo, ao listar os cuidados que não foram tomados, revela que esfregar um recém-nascido com sal era um procedimento comum, com propósitos medicinais de limpeza e proteção contra infecções. Ao usar o sal, Eliseu estava simbolicamente purificando a fonte, removendo a "infecção" da amargura e da morte.

Em segundo lugar, e de forma ainda mais significativa, o sal era um símbolo de aliança. No Antigo Testamento, o sal representava a natureza perpétua e incorruptível de um pacto. Por isso, as ofertas a Deus deveriam conter sal, como um lembrete do compromisso duradouro entre Deus e seu povo. A lei em Levítico 2:13 é explícita:

"E toda a oferta dos teus manjares temperarás com sal; e não deixarás faltar à tua oferta de manjares o sal da aliança do teu Deus; em todas as tuas ofertas oferecerás sal."

Portanto, ao lançar "o sal da aliança" no manancial, Eliseu estava fazendo mais do que um ato de purificação. Ele estava, em nome de Deus, estabelecendo uma nova aliança com aquela terra. A maldição da esterilidade estava sendo quebrada e substituída por uma promessa divina de vida, fertilidade e prosperidade, um pacto tão duradouro quanto o próprio sal.


5. O Sal na Mão Certa: A Diferença entre Abençoar e Amaldiçoar

A história de Eliseu revela que o poder de um elemento simbólico, como o sal, não é intrínseco a ele, mas depende fundamentalmente da autoridade e da intenção de quem o utiliza. Enquanto nas mãos do profeta o sal se tornou um agente de cura e vida, as Escrituras também registram seu uso para o propósito oposto: a maldição e a desolação.

Um exemplo claro disso se encontra no livro de Juízes, na figura de Abimeleque. Após conquistar e destruir a cidade de Siquém, o texto em Juízes 9:45 relata que ele, depois de matar o povo, assolou a cidade e "a semeou de sal". Este ato não era apenas simbólico; era uma prática militar antiga destinada a tornar o solo permanentemente infértil, garantindo que a vida não pudesse florescer novamente naquele lugar. Era um gesto de aniquilação total.

Temos, portanto, o mesmo elemento produzindo resultados diametralmente opostos. O sal nas mãos de Abimeleque, movido por um espírito de destruição, amaldiçoou a terra. O sal nas mãos de Eliseu, guiado pela palavra de Deus, abençoou e restaurou a terra. Isso nos ensina uma lição crucial: o milagre não estava no sal, mas na mão de quem o segurava e no poder que essa mão representava. Os recursos, talentos e oportunidades que possuímos podem, da mesma forma, gerar frutos ou esterilidade, dependendo da aliança e do propósito que governam nossas vidas.


6. O Chamado Divino: A Escolha Baseada na Oração

Assim como a transformação de Jericó exigiu uma intervenção divina, a formação do grupo que viria a impactar o mundo começou com um ato de profunda comunhão e discernimento. A escolha dos doze apóstolos por Jesus não foi uma decisão impulsiva ou baseada em critérios humanos, como status, habilidade ou influência. Pelo contrário, foi um ato precedido por uma intensa busca pela direção de Deus.

O Evangelho de Lucas é explícito sobre o processo. Em Lucas 6:12-13, lemos:

"E aconteceu que, naqueles dias, subiu ao monte a orar e passou a noite em oração a Deus. E, quando já era dia, chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles, a quem também deu o nome de apóstolos."

A passagem revela um princípio fundamental: as decisões de maior peso e consequência devem ser alicerçadas na oração. Jesus dedicou uma noite inteira à comunhão com o Pai antes de fazer uma escolha que definiria o futuro de seu ministério.

Isso estabelece um padrão: em vez de fazer escolhas precipitadas e depois passar a vida orando para remediar as consequências, o caminho mais sábio é orar antes de escolher. Esse processo garante que a seleção não seja democrática ou baseada em aparências, mas teocrática — uma escolha que reflete o governo e a vontade de Deus. O evangelho de Marcos reforça essa soberania ao afirmar que Jesus "chamou para si os que ele quis" (Marcos 3:13). A iniciativa e o critério final pertencem a Ele.

A presença de Judas Iscariotes entre os escolhidos não anula a validade da oração, mas ensina que a oração nos alinha com o plano divino, mesmo que este inclua aspectos que não compreendemos. A oração não é uma fórmula para evitar todos os problemas, mas um meio de garantir que erremos menos e permaneçamos no centro da vontade de Deus, preparados para os desafios que virão.


7. O Verdadeiro Discipulado: Projeção em Vez de Opressão

O modelo de discipulado estabelecido por Cristo se fundamenta em um princípio de empoderamento, e não de controle. A verdadeira liderança espiritual não busca exercer opressão sobre o discípulo, mas sim promover sua projeção. A opressão, neste contexto, manifesta-se em uma atitude possessiva e centralizadora, onde o mentor vê o discípulo como sua propriedade, limitando seu crescimento e autonomia.

Em contraste, a projeção é o ato de lançar, de impulsionar o discípulo para o seu próprio destino e propósito. O objetivo de um verdadeiro mentor não é criar uma cópia de si mesmo, mas formar um indivíduo que se pareça com Cristo e que esteja equipado para cumprir sua própria missão. Jesus nunca disse "façam discípulos para vocês", mas sim "façam discípulos de todas as nações... em meu nome". A lealdade final é a Cristo, não ao discipulador.

Esta dinâmica é perfeitamente ilustrada pela metáfora encontrada no Salmo 127:4, que compara os filhos a "flechas na mão do valente". O propósito do arqueiro não é reter a flecha, mas projetá-la com força e precisão em direção ao alvo. Da mesma forma, um líder que compreende este princípio trabalha para preparar e lançar seus discípulos para o centro da vontade de Deus, mesmo que isso signifique que eles irão para longe. O sucesso não é medido pela dependência do discípulo, mas por sua capacidade de ser enviado e frutificar por si mesmo.


8. A Escolha do Inesperado: O Valor da Galileia

A estratégia divina para a escolha dos discípulos desafia toda lógica humana. Em vez de recrutar seus seguidores nos centros de poder religioso e intelectual de Jerusalém, Jesus concentrou seu chamado em uma região amplamente desprezada: a Galileia. Esta área, por sua localização geográfica e diversidade cultural, era vista com preconceito, sendo frequentemente chamada de "Galileia dos gentios".

Esse estigma regional é evidente nas próprias Escrituras. Quando Filipe anuncia a Natanael que encontrou o Messias, "Jesus de Nazaré", a resposta imediata de Natanael é carregada de ceticismo: "Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?" (João 1:46). A mesma dúvida ecoava entre as multidões, que questionavam: "Vem, pois, o Cristo da Galileia?" (João 7:41), argumentando que as profecias apontavam para a linhagem de Davi e para a cidade de Belém.

Jesus não apenas escolheu homens dessa região, como também fez de cidades como Cafarnaum, sobre a qual pesava uma dura advertência profética (Mateus 11:23), o centro de seu ministério. Por que escolher o improvável? Porque ao selecionar homens de um "território ruim" e sem um "currículo exemplar", o mérito da transformação futura seria inquestionavelmente de Deus, e não da capacidade humana. É a lógica divina de escolher o bronze para polir até que brilhe como ouro, de modo que toda a glória seja do artesão, não da matéria-prima.

Deus demonstra repetidamente seu poder ao pegar o que o mundo considera descartável e transformá-lo em um instrumento de honra. Ao final, Jesus não apenas valida sua escolha, mas eleva a própria Galileia, marcando um encontro com seus discípulos ali após a ressurreição (Mateus 28:16) e selando sua identidade, como visto na ascensão, quando os anjos se dirigem a eles como "varões galileus" (Atos 1:11).


9. Um Olhar Mais Profundo: O Chamado de Natanael

O chamado dos primeiros discípulos, narrado no primeiro capítulo do Evangelho de João, revela que o encontro com Cristo pode ocorrer de múltiplas formas, cada uma adaptada à jornada individual. André ouviu o testemunho de João Batista. Pedro foi levado por seu irmão. Filipe foi diretamente achado por Jesus. E Natanael foi visto antes mesmo de chegar.

A história de Natanael, também conhecido como Bartolomeu, é particularmente rica em detalhes. Ele é introduzido na narrativa através de Filipe, que o encontra e anuncia ter achado aquele sobre quem Moisés e os profetas escreveram. A reação inicial de Natanael, como já mencionado, é de puro ceticismo. No entanto, a resposta de Filipe é um convite simples e poderoso: "Vem e vê" (João 1:46).

O momento crucial acontece quando Natanael se aproxima. Antes que ele possa dizer qualquer coisa, Jesus o vê e declara: "Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo" (João 1:47). A palavra "dolo" (do grego dolos) significa engano, astúcia ou falsidade. Jesus estava reconhecendo a sinceridade e a integridade do coração de Natanael, uma qualidade que o definia como um "verdadeiro israelita" não apenas por descendência, mas por caráter.

Surpreso por ser conhecido de forma tão íntima, Natanael pergunta: "De onde me conheces tu?" (João 1:48). A resposta de Jesus não apenas revela seu conhecimento, mas sua onisciência, desencadeando uma profunda revelação na vida de Natanael e demonstrando que o olhar de Cristo alcança os lugares mais secretos.


10. Debaixo da Figueira: Um Encontro de Onisciência e Cuidado

A resposta de Jesus a Natanael é uma das declarações mais enigmáticas e poderosas dos Evangelhos: "Antes que Filipe te chamasse, estando tu debaixo da figueira, eu te vi" (João 1:48). Esta simples frase provoca uma transformação instantânea em Natanael, que passa do ceticismo à adoração, reconhecendo a identidade divina de Jesus. O que havia de tão significativo nesse momento debaixo da figueira?

Embora a Bíblia não detalhe o que aconteceu, o contexto cultural e teológico oferece duas interpretações profundas que revelam a natureza do conhecimento de Cristo.

A primeira visão está ligada ao costume judaico. A figueira era mais do que uma simples árvore; era um símbolo de paz, sabedoria e felicidade. Era comum que mestres e homens devotos se retirassem para debaixo de uma figueira para meditar, orar e estudar a Torá, como sugere a imagem de paz encontrada em Zacarias 3:10. Nessa perspectiva, Jesus estaria dizendo a Natanael: "Eu vi você em seu momento mais íntimo de busca espiritual. Conheço as orações e os anseios do seu coração que ninguém mais conhece." Seria a revelação de que sua devoção particular não era secreta para Deus.

Uma segunda vertente, baseada em tradições históricas, sugere um significado ainda mais pessoal. Esta interpretação conecta o evento ao tempo do nascimento de Natanael, que poderia coincidir com o decreto de Herodes para matar os meninos de até dois anos. Segundo essa tradição, a mãe de Natanael, para salvá-lo, o teria escondido debaixo de uma figueira. Seria um segredo profundo, um testemunho do livramento divino em sua infância. Ao dizer "eu te vi debaixo da figueira", Jesus estaria revelando conhecimento de um evento que ninguém mais poderia saber, afirmando: "No dia da tua angústia, quando estavas indefeso, eu estava lá. Eu te protegi."

Independentemente da interpretação exata, o resultado é o mesmo: Jesus demonstra uma onisciência que transcende o tempo e o espaço. Ele não apenas vê o homem exterior, mas conhece o passado oculto e o coração devoto. Foi essa revelação de um cuidado divino, pessoal e soberano que levou Natanael a declarar sem hesitação: "Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel" (João 1:49).


11. Conclusão: Um Legado de Transformação que Permanece

As narrativas de Eliseu em Jericó e do chamado dos discípulos por Jesus, embora separadas pelo tempo, convergem para uma verdade central: a intervenção divina não apenas resolve problemas imediatos, mas estabelece um legado de vida e propósito que perdura.

Em Jericó, a cura das águas não foi um evento passageiro. O texto bíblico faz questão de registrar sua permanência: "Ficaram, pois, sãs aquelas águas até ao dia de hoje, conforme a palavra que Eliseu tinha dito" (2 Reis 2:22). A obediência de um homem e a autoridade de Deus transformaram permanentemente a realidade de uma cidade, provando que uma palavra profética pode reverter uma maldição geracional. O milagre sobreviveu ao profeta, e a fonte que um dia trouxe morte continuou a jorrar vida por séculos.

Da mesma forma, a escolha dos doze homens da Galileia não foi um fim em si mesma. Foi o início de um movimento que mudaria o curso da história. Aqueles homens, escolhidos em oração e projetados para o propósito, levaram a mensagem de transformação aos confins da terra. O chamado de Natanael, iniciado sob a figueira, culminou em um ministério que, segundo a tradição, alcançou lugares distantes como a Índia. A vida que ele recebeu naquele encontro foi a mesma que ele compartilhou com outros, mesmo que isso lhe custasse a própria pele.

Essas histórias nos convidam a crer que nenhum cenário é estéril demais e nenhuma pessoa é improvável demais para o poder transformador de Deus. Seja curando as fontes de uma cidade ou chamando um indivíduo de um lugar desprezado, Deus demonstra que Sua especialidade é ver potencial onde outros veem problemas, trazer vida onde há esterilidade e usar o inesperado para cumprir Seus propósitos eternos.

Fonte: Pastor Adson Belo

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há 21 horas
Matéria: Discípulos
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