1. O Contexto em Pentecostes: O Fenômeno e a Confusão
O evento de Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa, marcou um momento de profunda transformação para os discípulos. Reunidos no cenáculo, conforme a orientação de Jesus para que permanecessem em Jerusalém até serem "revestidos de poder", eles experimentaram um fenômeno singular. O relato descreve um som como o de um "vento impetuoso" que preencheu o local, acompanhado pela visualização de "línguas de fogo".
Enquanto os discípulos, cheios do Espírito, louvavam e adoravam, um fenômeno correlato ocorria do lado de fora. Jerusalém estava repleta de judeus piedosos vindos de diversas nações. Esses visitantes, embora provavelmente compreendessem o hebraico ou aramaico da época, começaram a ouvir as maravilhas de Deus sendo proclamadas em suas próprias línguas maternas.
Isso gerou uma reação imediata de confusão e assombro na multidão que se formava. Enquanto muitos tentavam entender o que acontecia, um terceiro grupo surgiu, zombando dos discípulos e acusando-os de estarem embriagados, apesar de serem apenas nove horas da manhã. Foi nesse cenário de celebração interna e tumulto externo que Pedro tomou a palavra.
2. A Defesa de Pedro: A Profecia de Joel
Diante da acusação de embriaguez, Pedro, agora de pé com os onze apóstolos, dirige-se à multidão. Ele inicia sua defesa de forma lógica, primeiro descartando a zombaria: "esses homens não estão bêbados como vocês estão pensando, porque apenas são 9 horas da manhã".
Imediatamente, ele ancora o fenômeno que todos testemunhavam não em uma explicação humana, mas em uma raiz profética profunda, conhecida por aqueles judeus piedosos. Pedro declara que o que estava acontecendo era, na verdade, o cumprimento do que fora dito pelo profeta Joel.
Ele então cita diretamente a profecia (conforme Joel 2:28-32), que se torna a primeira grande chave de interpretação para aquele dia:
'E acontecerá nos últimos dias, diz Deus, que derramarei o meu espírito sobre toda a humanidade. Os filhos e as filhas de vocês profetizarão, os seus jovens terão visões e os seus velhos sonharão. Até sobre meus servos e as minhas servas derramarei meu espírito naqueles dias e profetizarão. [...] E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.'
Ao fazer essa conexão instantânea, Pedro eleva o evento de um aparente caos para um ato soberano de Deus, previsto há muito tempo. Ele demonstra à multidão que eles não estavam presenciando uma desordem, mas sim a manifestação dos "últimos dias" inaugurada pelo derramar do Espírito Santo.
3. O Sermão de Pedro: Jesus Anunciado nas Escrituras
Após estabelecer o derramar do Espírito como cumprimento profético, o foco do sermão de Pedro volta-se inteiramente para Jesus Cristo. Ele se dirige aos "israelitas" e apresenta Jesus, o Nazareno, como um homem aprovado por Deus através de "milagres, prodígios e sinais", algo que a própria multidão sabia.
Pedro, então, aborda diretamente a morte de Jesus, afirmando que, embora ela tenha ocorrido "conforme o plano determinado e a presciência de Deus", eles o mataram, "crucificando por meio de homens maus".
O ponto central de sua pregação, no entanto, é a ressurreição. Pedro declara enfaticamente: "Porém Deus o ressuscitou, livrando-o da agonia da morte, porque não era possível que fosse retido por ela".
Para provar essa afirmação, Pedro recorre novamente às Escrituras que seu público reverenciava. Ele cita o Salmo 16, atribuindo-o a Davi, que falava profeticamente sobre a ressurreição:
'Porque não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu santo veja a corrupção.'
Pedro argumenta que Davi não poderia estar falando de si mesmo, pois "morreu, foi sepultado, e o seu túmulo permanece entre nós até hoje". Sendo Davi um profeta, ele estava, na verdade, prevendo a ressurreição do Messias (Cristo). Pedro conclui essa linha de raciocínio afirmando que "Deus ressuscitou esse Jesus, e disto Todos nós somos testemunhas".
Ele ainda utiliza o Salmo 110 ("Disse o Senhor ao meu Senhor: 'Senta-te à minha direita'...") para fundamentar a exaltação de Jesus. A conclusão de seu sermão é incisiva: "Portanto, toda a casa de Israel esteja absolutamente certa de que a esse Jesus, que vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo".
4. A Transformação de Pedro: Do Medo à Intrepidez
Um dos milagres mais notáveis do dia de Pentecostes não foi apenas o fenômeno das línguas, mas a profunda transformação interna de Pedro. O sermão que ele profere à multidão contrasta agudamente com sua atitude de apenas cinquenta dias antes.
Na noite da prisão de Jesus, Pedro estava em outro pátio, cercado não por uma multidão, mas por algumas poucas pessoas, incluindo uma serva. Naquela ocasião, movido pelo medo, ele negou conhecer Jesus três vezes.
Agora, em Pentecostes, o mesmo Pedro está de "peito aberto", destemidamente, diante de milhares de pessoas em Jerusalém, durante um dia de festa. O enchimento do Espírito Santo concedeu-lhe uma intrepidez que superou seu medo anterior, capacitando-o a acusar diretamente a multidão de ter crucificado o Messias e a proclamar publicamente a ressurreição, sem receio das consequências. Essa mudança evidencia que a obra do Espírito não é apenas para uma experiência interna, mas para gerar testemunho externo corajoso.
5. O Milagre Maior: A Vida Gerada "Fora das Quatro Paredes"
O evento de Pentecostes apresenta uma dinâmica crucial: o que acontece dentro (no cenáculo) tem como objetivo principal gerar um impacto fora (na multidão). Enquanto os 120 discípulos celebravam e eram cheios do Espírito, o grande fenômeno de transformação de vidas ocorria lá fora, onde a multidão ouvia e, posteriormente, respondia à pregação.
O que acontece internamente na comunidade de fé — a adoração, a celebração, a experiência da presença de Deus — encontra seu verdadeiro propósito quando se traduz em vida e testemunho para o mundo externo.
Pouco importaria o que acontecia dentro daquelas quatro paredes se não houvesse um reflexo do lado de fora. O verdadeiro milagre não era apenas a alegria sentida pelos discípulos, mas a intrepidez de Pedro e a subsequente convicção que levou 3.000 pessoas ao arrependimento. A experiência com Deus não tem como fim ela mesma; ela é o combustível para a missão.
6. Cristo como Centro: A Chave de Leitura do Antigo Testamento
A pregação de Pedro em Pentecostes demonstra uma mudança fundamental na interpretação das Escrituras (o Antigo Testamento, na época). Sem ter o Novo Testamento escrito, e sem tempo para preparar um estudo teológico complexo, Pedro, movido pelo Espírito Santo, conecta espontaneamente textos da Lei, dos Salmos e dos Profetas, revelando que todos apontavam para Jesus Cristo.
Para aquele público de judeus piedosos, que conhecia os Salmos e os Profetas desde a infância, a revelação de Pedro foi impactante. Ele não prega sobre Davi como um fim em si mesmo, mas o apresenta como um profeta que anteviu o Messias.
O sermão de Pedro ilustra que o Antigo Testamento não deve ser lido como se existisse apenas para si mesmo. Tudo aponta para Cristo; Ele é o centro, e a Sua ressurreição é a origem da fé cristã.
Essa abordagem refuta a ideia de buscar "unções" de figuras do Antigo Testamento (como Davi ou Josué) de forma isolada, pois a plenitude da revelação e a nova vida estão em Cristo, o "filho da Ressurreição". A Bíblia que os discípulos liam ganhou um novo significado, e eles passaram a ver Jesus em tudo.
7. A Vida da Ressurreição: Nascendo de Novo em Vida
A pregação de Pedro não anunciava apenas um evento histórico, mas uma nova lógica de existência fundamentada na ressurreição de Cristo. A fé cristã não se baseia meramente na crença em Deus, mas especificamente no Deus que se encarnou, morreu e ressuscitou. Paulo, em suas cartas, chegaria a dizer que, se Cristo não ressuscitou, a fé é vã.
A ressurreição é o fundamento porque introduz um "novo homem", um novo Reino e um novo mundo. A lógica desta vida — a "vida da ressurreição" — difere radicalmente da lógica do mundo atual. Ela significa que, embora ainda vivamos fisicamente, já experimentamos uma nova vida que começou de dentro para fora.
O maior milagre, portanto, não é o falar em línguas ou mesmo a cura física, mas a morte e ressurreição de alguém que ainda está vivo. Trata-se de uma pessoa que, em vida, considera-se morta para a existência finita e corruptível, buscando uma nova mente e um novo coração.
A vida eterna, nessa perspectiva, não é algo que apenas começará após a morte física; ela já começou para aquele que crê. Como o apóstolo Paulo afirma em Gálatas 2:20:
"Eu estou crucificado com Cristo. Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim. E a vida que eu vivo nessa carne, enquanto eu estou aqui, eu a vivo pela fé no Filho de Deus."
Os cristãos são, portanto, "filhos da Ressurreição", pessoas que possuem uma outra vida vivendo dentro da sua própria vida — uma presença sobrenatural que habita nelas.
8. A Resposta da Multidão: Arrependimento e o Dom do Espírito
A pregação de Pedro, centrada na ressurreição de Cristo e na responsabilidade da multidão por sua morte, teve um efeito profundo. O texto relata que, "quando ouviram isso, ficaram muito comovidos" e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: "O que faremos, irmãos?". A revelação de que o Jesus que eles crucificaram era o Senhor e o Cristo fez "cair a ficha".
A resposta de Pedro é direta e define os passos de entrada nessa nova vida:
"Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados; e vocês receberão o dom do Espírito Santo."
Essa promessa do "dom do Espírito Santo" não se referia primariamente aos dons espirituais (como os listados em 1 Coríntios 12), mas ao próprio Espírito Santo como um presente, uma dádiva. Aquilo que os 120 experimentaram de forma inaugural no cenáculo agora estava disponível para todos os que cressem.
Diferente dos primeiros discípulos, que conheceram Jesus em carne e depois O receberam em espírito, as novas gerações passam a conhecer Jesus diretamente em espírito. A promessa é clara: "A promessa é para vocês e para os seus filhos, e para todos que ainda estão longe; isto é, para todos aqueles que o Senhor, nosso Deus, chamar". Naquele dia, quase três mil pessoas aceitaram a palavra e foram batizadas.
8. A Resposta da Multidão: Arrependimento e o Dom do Espírito
A pregação de Pedro, centrada na ressurreição de Cristo e na responsabilidade da multidão por sua morte, teve um efeito profundo. O texto relata que, "quando ouviram isso, ficaram muito comovidos" e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: "O que faremos, irmãos?". A revelação de que o Jesus que eles crucificaram era o Senhor e o Cristo fez "cair a ficha".
A resposta de Pedro é direta e define os passos de entrada nessa nova vida:
"Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados; e vocês receberão o dom do Espírito Santo."
Essa promessa do "dom do Espírito Santo" não se referia primariamente aos dons espirituais (como os listados em 1 Coríntios 12), mas ao próprio Espírito Santo como um presente, uma dádiva. Aquilo que os 120 experimentaram de forma inaugural no cenáculo agora estava disponível para todos os que cressem.
Diferente dos primeiros discípulos, que conheceram Jesus em carne e depois O receberam em espírito, as novas gerações passam a conhecer Jesus diretamente em espírito. A promessa é clara: "A promessa é para vocês e para os seus filhos, e para todos que ainda estão longe; isto é, para todos aqueles que o Senhor, nosso Deus, chamar". Naquele dia, quase três mil pessoas aceitaram a palavra e foram batizadas.
9. Da Festa Local para a Verdadeira Celebração
O evento de Pentecostes, uma das grandes festas judaicas que reunia pessoas de todo o Império Romano, serviu como pano de fundo para uma transição significativa. Os 120 discípulos tiveram que "sair da festa" interna no cenáculo para enfrentar o desafio da multidão que não cria.
Da mesma forma, quando as 3.000 pessoas creram na pregação de Pedro, elas também tiveram que "sair da festa" do Pentecostes — com suas tradições, rituais e celebrações — para serem batizadas. Elas deixaram a festa que aguardavam o ano todo para participar de uma nova celebração, fundamentada em uma outra lógica, uma outra alegria e uma outra vida.
Isso ilustra que, embora a comunhão religiosa seja importante, ela não é um fim em si mesma. A verdadeira celebração que dá sentido à vida é a festa da Ressurreição. A fé cristã convida as pessoas a saírem das "festas" deste mundo para encontrar a verdadeira vida em Cristo, e então levar essa nova vida para fora, transformando o ambiente ao redor.
A Casa da Rocha. #05 - A pregação de Pedro - Zé Bruno - Meu caro amigo 2. Disponível em: https://www.youtube.com/live/fti4I6J4bZM?si=9MBCFrN1lcqukZzG