5. Sucessão Definitiva e Comoriência

Entendendo o Processo de Ausência: Das Fases Iniciais à Sucessão Definitiva

Antes de adentrar na fase final do procedimento de ausência, é fundamental recapitular as etapas anteriores para compreender a progressão lógica estabelecida pelo legislador. O processo é estruturado de forma gradual para proteger tanto o patrimônio do ausente quanto os direitos de seus potenciais herdeiros.

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A Primeira Fase: Curadoria dos Bens do Ausente

O processo se inicia com a declaração judicial da ausência, que ocorre quando uma pessoa desaparece de seu domicílio sem deixar notícias ou um representante para administrar seus bens. A partir daí, os bens deixados são formalmente arrecadados, e o juiz nomeia um curador com a responsabilidade de gerir esse patrimônio, garantindo sua conservação.

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A Segunda Fase: A Sucessão Provisória

Após o decurso de um lapso temporal específico (um ou três anos, a depender da existência de representante), os interessados podem requerer a abertura da sucessão provisória. Nesta etapa, a declaração de ausência é reiterada e ocorre a partilha dos bens entre os herdeiros.

É importante destacar um ponto crucial: neste momento, os herdeiros são imitidos na posse dos bens, mas ainda não adquirem a sua propriedade plena. Essa cautela do legislador, ao transferir os direitos de forma gradual — o que a palestrante chama de "a conta-gotas" —, fundamenta-se na possibilidade real de que o ausente retorne. Como o desaparecimento ainda é considerado recente, a lei protege o patrimônio, garantindo que a transferência definitiva da propriedade só ocorra em uma fase posterior e mais consolidada.

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A Terceira Fase: Sucessão Definitiva (Art. 37 do CC)

Após um considerável lapso temporal desde a sucessão provisória, o procedimento de ausência avança para sua etapa final e conclusiva: a sucessão definitiva. Esta fase consolida os direitos dos herdeiros e altera o status jurídico do ausente de forma permanente, conforme estabelecido pelo Artigo 37 do Código Civil.

O principal REQUISITO para que se possa requerer a abertura da sucessão definitiva é o decurso de um prazo de 10 ANOS contados a partir DO TRÂNSITO EM JULGADO da sentença que abriu a SUCESSÃO PROVISÓRIA. É crucial entender que essa transição NÃO É AUTOMÁTICA; um dos interessados, como um herdeiro, DEVE PROVOCAR novamente o Poder Judiciário, solicitando a conversão da sucessão para a sua forma definitiva.

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EFEITOS da Sucessão Definitiva

A instauração desta última fase acarreta duas consequências jurídicas de grande importância:

  1. TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE: Diferentemente da fase provisória, em que os herdeiros detinham apenas a posse dos bens, a sucessão definitiva lhes confere a propriedade PLENA e RESOLÚVEL. Isso significa que eles se tornam os donos de fato e de direito do patrimônio, podendo, a partir de então, dispor dos bens como desejarem, inclusive vendendo-os.
  2. DECLARAÇÃO de MORTE PRESUMIDA: É neste momento que o status do ausente muda oficialmente. A simples "declaração de ausência" das fases anteriores é substituída pela declaração de morte presumida. Para todos os efeitos legais, a pessoa é CONSIDERADA FALECIDA, o que permite o encerramento do procedimento sucessório.

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Uma VIA EXPRESSA para a Sucessão Definitiva: O Artigo 38 do Código Civil

Embora o caminho tradicional para a sucessão definitiva exija o decurso de 10 anos após a sucessão provisória (Art. 37), o Código Civil prevê uma rota alternativa que permite "saltar" diretamente para esta fase final, desde que preenchidos certos requisitos rigorosos. Esta via expressa está delineada no Artigo 38 e se baseia na altíssima probabilidade de falecimento do ausente.

Para que a sucessão definitiva seja requerida com base neste artigo, é necessário provar a ocorrência de duas CONDIÇÕES CUMULATIVAS:

  1. IDADE  Avançada: O ausente deve contar com 80 ANOS de idade ou mais.
  2. LONGO DESAPARECIMENTO: As últimas NOTÍCIAS conhecidas sobre ele devem datar de, no MÍNIMO, 5 ANOS.

A lógica por trás dessa exceção é que a combinação de idade muito avançada com um longo período de silêncio torna a presunção de morte extremamente forte, justificando a dispensa das etapas anteriores e a celeridade do processo.

É fundamental destacar que esta hipótese É AUTÔNOMA, ou seja, não depende da existência prévia de uma sucessão provisória. Conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.924.451 – SP, os interessados podem requerer a sucessão definitiva diretamente com base no Art. 38, sem necessidade de passar pela curadoria inicial ou pela sucessão provisória, desde que os dois requisitos (idade e tempo de desaparecimento) estejam comprovados.

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E se o Ausente Voltar? As Regras para o REAPARECIMENTO

Mesmo após a declaração de morte presumida na sucessão definitiva, a lei ainda resguarda a possibilidade do retorno do ausente. Contudo, os direitos sobre o patrimônio variam drasticamente dependendo do momento em que esse reaparecimento ocorre, equilibrando a proteção ao ausente com a segurança jurídica para os herdeiros.

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Cenário 1: Retorno ANTES da Sucessão DEFINITIVA

Se o ausente reaparecer durante a primeira fase (curadoria dos bens) ou a segunda (sucessão provisória), a situação é mais simples. Como os direitos dos herdeiros eram apenas provisórios e limitados à posse, o ausente RECEBERÁ TODOS os seus bens DE VOLTA, e o PROCEDIMENTO de ausência será EXTINTO.

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Cenário 2: Retorno nos 10 ANOS PÓS-Sucessão DEFINITIVA

Este cenário é regulado pelo Artigo 39 do Código Civil. Se o ausente, ou um de seus descendentes ou ascendentes, retornar DENTRO do prazo de 10 ANOS após a abertura da sucessão definitiva, ele não recuperará o patrimônio integralmente como antes. O direito é limitado aos BENS EXISTENTES no estado em que se encontrem.

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Isso inclui os bens SUB-ROGADOS, ou seja, aqueles que foram adquiridos para substituir os originais. Sub-rogação é o ato de substituição. Por exemplo:

  • Se o herdeiro vendeu um apartamento de R$ 500 mil e comprou outro de R$ 300 mil, o ausente que retorna terá direito a este novo apartamento de R$ 300 mil.
  • Se, por outro lado, o herdeiro vendeu o apartamento de R$ 500 mil e, com recursos próprios, adicionou R$ 200 mil para comprar um imóvel de R$ 700 mil, a devolução deve ser justa. Para evitar o enriquecimento ilícito do ausente, o herdeiro entregará o valor do bem original (R$ 500 mil), mantendo o acréscimo patrimonial que proveio de seu próprio esforço.

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Cenário 3: Retorno Tardio, APÓS o Prazo de 10 ANOS

Se o ausente reaparecer mais de uma década após a abertura da sucessão definitiva, a lei é categórica: ele NÃO TERÁ DIREITO A NADA. Após este longo período, a propriedade dos bens consolida-se de forma plena e definitiva nas mãos dos herdeiros, privilegiando a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais e patrimoniais.

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COMORIÊNCIA (Art. 8º do CC): A Presunção de Morte Simultânea

Para finalizar o estudo sobre o fim da personalidade jurídica, é essencial abordar um instituto intimamente ligado à sucessão: a comoriência. Prevista no Artigo 8º do Código Civil, ela estabelece uma presunção legal para solucionar um problema complexo: o que acontece quando duas ou mais pessoas, que são herdeiras uma da outra, morrem na mesma ocasião sem que seja possível determinar quem faleceu primeiro?

A lei responde com uma ficção jurídica: presume-se que MORRERAM AO MESMO TEMPO.

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Desvendando os Elementos da Comoriência

Para aplicar corretamente o instituto, é preciso compreender seus três pilares fundamentais:

  1. Presunção Relativa (IURIS TAMTUM): A comoriência não é uma verdade absoluta. Trata-se de uma presunção relativa, o que significa que ela admite prova em contrário. As partes interessadas podem usar todos os meios de prova admitidos em direito (perícias, testemunhas, etc.) para tentar comprovar a ordem cronológica das mortes. A presunção de simultaneidade só é aplicada quando, esgotados os meios de prova, for impossível averiguar quem faleceu antes.
  2. Mortes na MESMA OCASIÃO: A expressão "mesma ocasião" refere-se a um critério TEMPORAL, e não necessariamente ao mesmo local ou evento. Embora comumente associada a acidentes únicos (como uma queda de avião ou um acidente de carro), a comoriência PODE ocorrer em SITUAÇÕES DISTINTAS. Por exemplo, se um pai morre em São Paulo às 8h da manhã e seu filho falece no Rio de Janeiro exatamente no mesmo horário, considera-se que faleceram na "mesma ocasião" para fins legais.
  3. RELAÇÃO SUCESSÓRIA entre os Falecidos: O instituto da comoriência só possui relevância prática quando as pessoas falecidas são herdeiras ou beneficiárias entre si. A exemplo de um casal ou de pai e filho, a ordem da morte alteraria diretamente a linha de sucessão do patrimônio.

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Qual o EFEITO Prático?

Uma vez declarada a comoriência, o principal efeito é que UM FALECIDO NÃO HERDA DO OUTRO. As linhas sucessórias não se cruzam. O patrimônio do marido será destinado aos seus herdeiros (excluindo a esposa), e o patrimônio da esposa irá para os herdeiros dela (excluindo o marido).

Vale ressaltar, conforme o Enunciado 645 do CJF, que a regra da comoriência é APLICÁVEL A TODAS as espécies de MORTE previstas no direito brasileiro, o que inclui não apenas a morte real, mas também a morte presumida, como nos casos de ausência.

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Tabela de Revisão Rápida (Síntese Estruturada)

Tópico Central Pontos-Chave (Bulleted list) Conceitos e Definições Dados e Citações Relevantes
Recapitulação das Fases da Ausência - A 1ª fase envolve a declaração de ausência e nomeação de um curador para os bens.<br>- A 2ª fase (Sucessão Provisória) concede aos herdeiros a posse dos bens, não a propriedade.<br>- A transferência gradual de direitos protege o patrimônio caso o ausente retorne. Sucessão Provisória: Segunda etapa do procedimento, na qual os bens são partilhados e os herdeiros recebem a posse temporária, aguardando o decurso do tempo para a fase definitiva. A transferência de direitos é feita "a conta-gotas" devido à possibilidade de retorno do ausente.
A Terceira Fase: Sucessão Definitiva (Art. 37 do CC) - É a fase final do procedimento de ausência.<br>- Inicia-se mediante requerimento, 10 anos após a sentença da sucessão provisória.<br>- Os herdeiros recebem a propriedade definitiva dos bens.<br>- É neste momento que ocorre a declaração de morte presumida do ausente. Morte Presumida (por Ausência): Status jurídico que considera o ausente como falecido para todos os efeitos legais, permitindo o encerramento do processo sucessório. Prazo: 10 anos após a sucessão provisória.<br>Fundamento: Art. 37 do Código Civil.
Hipótese Autônoma de Sucessão Definitiva (Art. 38 do CC) - Permite requerer a sucessão definitiva diretamente, sem passar pelas fases anteriores.<br>- Requer a prova de dois requisitos cumulativos: idade avançada e longo desaparecimento.<br>- É uma via autônoma, conforme jurisprudência do STJ. Sucessão Definitiva Autônoma: Modalidade que acelera o processo com base na altíssima probabilidade de morte, dispensando as fases de curadoria e sucessão provisória. Requisitos: Ausente com 80 anos de idade E 5 anos desde as últimas notícias.<br>Fundamento: Art. 38 do CC e REsp 1.924.451 – SP.
O Reaparecimento do Ausente - Antes da Sucessão Definitiva: Recebe todos os bens de volta.<br>- Até 10 anos após a Sucessão Definitiva: Recebe os bens no estado em que se encontram, incluindo os sub-rogados.<br>- Depois de 10 anos da Sucessão Definitiva: Não tem mais direito a reaver o patrimônio. Bens Sub-rogados: Bens adquiridos em substituição aos bens originais do ausente que foram alienados pelos herdeiros. Prazo de Carência: 10 anos após a abertura da sucessão definitiva (Art. 39 do CC).
Comoriência (Art. 8º do CC) - Presume a morte simultânea quando não é possível determinar a ordem dos óbitos.<br>- A presunção é relativa (juris tantum), admitindo prova em contrário.<br>- O efeito prático é que um comoriente não transmite herança ao outro.<br>- "Mesma ocasião" é um critério de tempo, não de local. Comoriência: Presunção legal de simultaneidade de mortes entre duas ou mais pessoas que são herdeiras entre si, aplicada quando a ordem dos falecimentos não pode ser comprovada. Fundamento: Art. 8º do Código Civil.<br>Enunciado 645 (CJF): A comoriência pode ocorrer em qualquer espécie de morte (real ou presumida).
Avatar de diego
há 2 semanas
Matéria: Direito Civil
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