1. O Estágio Final da Condenação: O Contexto de Romanos 1:28-32

O primeiro capítulo da Epístola aos Romanos é uma das passagens mais contundentes das Escrituras, servindo como a base para a doutrina da justificação pela fé. Antes de apresentar a solução — o Evangelho de Cristo —, o apóstolo Paulo dedica-se a estabelecer o problema: a condenação universal de toda a humanidade.

A partir do versículo 18, Paulo descreve a sequência de abandono e retribuição divina que se abate sobre aqueles que, mesmo conhecendo a Deus de forma inata por meio da natureza, "detêm a verdade em injustiça" (Rm 1:18). Essa detenção consciente da verdade leva a Deus a entregar o homem a si mesmo em três estágios progressivos, culminando na mente reprovada de Romanos 1:28-32.

O trecho em análise representa, portanto, o fundo do poço moral e espiritual, o resultado final do repúdio a Deus:

E, porquanto não se importaram de ter conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes, cheios de toda injustiça, malícia, avareza, maldade; atestados de inveja, homicídio, contenda, dolo, malignidade; sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural, sem misericórdia. Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem. (Romanos 1:28-32, ARA)

Neste ponto, o homem não apenas abandonou a Deus, mas foi ativamente entregue à sua própria insensatez por um ato de juízo divino. Essa "disposição mental reprovável" ou "mente depravada" (como traduzem outras versões) significa uma incapacidade de discernir o bem e o mal de forma justa, culminando em uma lista assustadora de 21 pecados morais e espirituais. O ápice dessa lista, contudo, não é a prática dos pecados em si, mas a postura descrita no versículo 32: a rebelião consciente.


2. A Sentença de Deus e Suas Três Dimensões: Morte Espiritual, Física e Eterna

Paulo conclui o rol de pecados em Romanos 1:32 com uma afirmação surpreendente sobre a consciência humana: as pessoas não apenas praticam essas coisas, mas sabem perfeitamente que a sentença de Deus para tais atos é a morte.

Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem. (Romanos 1:32, Almeida Revista e Atualizada - ARA)

O texto bíblico revela que Deus estabeleceu uma lei moral inscrita no coração humano, a qual testifica de Sua justiça. Portanto, o conhecimento da punição não vem de uma lei escrita (como a Lei Mosaica), mas de uma revelação inata — uma consciência que acusa e defende (cf. Romanos 2:14-15).

A palavra "morte" citada neste versículo, à luz da teologia bíblica e do contexto de condenação, não é restrita ao fim da vida biológica. Ela engloba uma tríplice dimensão de separação de Deus, a fonte da Vida:

  1. Morte Espiritual (Separação Presente): É o estado de depravação e alienação de Deus na vida presente. O indivíduo está "morto em ofensas e pecados" (Efésios 2:1), incapaz de responder ao chamado divino. É o resultado direto da entrega à "mente reprovável" mencionada em Romanos 1:28.
  2. Morte Física (Separação Biológica): A dissolução do corpo e da alma, consequência do pecado original (Romanos 5:12).
  3. Morte Eterna (Separação Final): Conhecida como a Segunda Morte (Apocalipse 20:6), é a separação definitiva e irremediável de Deus, que é lançar-se no lago de fogo. É a consumação da sentença para aqueles que insistem na rebelião.

O ponto crucial, conforme o texto de Romanos, é que a humanidade caída não está praticando o mal por ignorância, mas por um ato de vontade rebelde, optando pela morte mesmo diante da plena consciência de suas consequências.


3. A Rebelião em Dupla Ação: Praticar e Aprovar o Pecado

O ponto culminante da depravação e da rebelião não é apenas a execução dos atos pecaminosos, mas o comportamento descrito na segunda parte de Romanos 1:32:

Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem (continuam fazendo), mas também aprovam os que assim procedem. (Romanos 1:32, Almeida Revista e Atualizada - ARA)

Aqui, a desobediência humana se manifesta em dois níveis interligados, caracterizando o estado de "fundo do poço" espiritual:

A. Praticar o Pecado (A Rebelião Ativa)

O primeiro nível envolve a prática ativa dos vícios e males listados nos versículos 29 a 31 (injustiça, malícia, inveja, homicídio, insolência, etc.). Este é o pecado em sua manifestação pessoal e direta. A lista mostra que a humanidade, entregue à sua própria mente reprovável, não só comete pecados contra Deus, mas também destrói o tecido social com atos contra o próximo. A rebelião se expressa no fazer, na ação deliberada que viola os padrões morais divinos.

B. Aprovar Quem Pratica (A Rebelião Coletiva)

O segundo nível, e mais grave na análise de Paulo, é a aprovação daqueles que praticam o mal. Esta não é mais uma questão de falha individual ou fraqueza moral, mas de uma rebelião consciente e coletiva.

A aprovação do pecado tem implicações profundas:

  1. Consciência Cauterizada: Ao aplaudir o que a própria consciência sabe ser digno de morte, o indivíduo cauteriza sua voz interior, endossando a imoralidade como norma.
  2. Influência Corruptora: O pecado deixa de ser um ato isolado de desobediência e se torna um padrão cultural. A humanidade, em sua rebeldia, busca validar e legitimar seu estado decaído.
  3. Desafio Aberto a Deus: Ao aprovar o pecado publicamente, o homem não apenas o pratica, mas também assume uma postura de desafio aberto contra a lei e o juízo de Deus. É o cúmulo da rejeição, transformando o erro em objeto de louvor ou aceitação social.

Em resumo, a rebelião ativa (praticar) e a rebelião coletiva (aprovar) são a prova máxima de que o problema humano não é a ignorância, mas a vontade de viver separada de Deus e de lutar contra Sua sentença.


4. A Rebelião Consciente: O Conhecimento Inato da Lei Divina

O aspecto mais perturbador da descrição de Paulo sobre o fundo do poço moral é a clara afirmação de que essa rebelião se dá com pleno conhecimento da lei e da sentença de Deus. O versículo 32 é a chave para a culpabilidade humana:

Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam... (Romanos 1:32, Almeida Revista e Atualizada - ARA)

Isso significa que o juízo de Deus não é arbitrário, pois recai sobre pessoas que sabiam estar agindo de forma condenável. A base desse conhecimento não é a leitura da Torá, mas a revelação natural de Deus, já mencionada em Romanos 1:19-20 (o invisível de Deus é visto pelos atributos na criação) e detalhada no capítulo 2 (a lei escrita no coração).

A Lei no Coração

Paulo explica em Romanos 2 que os gentios, que não tinham a Lei Mosaica, "mostram a obra da lei gravada nos seus corações" (Rm 2:15).

Pois, quando os gentios, que não têm lei, praticam naturalmente as coisas da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei; os quais mostram a obra da lei escrita nos seus corações, testificando juntamente a sua consciência e os seus próprios pensamentos, que, alternadamente, os acusam ou os defendem. (Romanos 2:14-15, Almeida Revista e Atualizada - ARA)

Portanto, a rebelião é consciente porque a humanidade:

  • Conhece a Sentença: Sabe, por meio da consciência e da ordem moral universal, que certas ações são dignas de morte.
  • Rejeita a Luz: Prefere ativamente a escuridão, sufocando a verdade que lhes é inata (Rm 1:18).

O Fundo do Poço, então, não é um lugar de ignorância, mas de voluntariedade. O homem, sabendo do justo juízo de Deus, insiste em praticar e celebrar a injustiça, confirmando seu estado de mente reprovável.


5. A Esperança no Fundo do Poço: O Ponto de Contato para o Evangelho

Se Romanos 1 descreve o Fundo do Poço da depravação e condenação humana – um estado de rebelião consciente com conhecimento da sentença de morte – isso serve não como um fim em si mesmo, mas como o ponto de partida para a gloriosa mensagem do Evangelho.

O propósito de Paulo ao detalhar a ira de Deus e a rebelião humana (Rm 1:18–32) não é apenas condenar, mas sim mostrar que toda a humanidade está sob o juízo divino, necessitando urgentemente de um Salvador.

A Necessidade da Justiça de Deus

A certeza de que as pessoas "conhecem a sentença de Deus" é o que torna o Evangelho tão relevante. Sem esse conhecimento inato da culpa e da condenação, a salvação por meio de Cristo seria vista apenas como uma opção moral ou um acréscimo de bem-estar, e não como uma necessidade vital.

O Evangelho é, portanto, a resposta de Deus para a sentença que a humanidade conhece, mas ignora. Paulo prossegue em Romanos para declarar a justificação pela fé:

Visto que todos pecaram e separados estão da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus. (Romanos 3:23-24, Almeida Revista e Atualizada - ARA)

Enquanto a rebelião humana é a recusa em aceitar o veredito de morte, o Evangelho é a oferta de Vida Eterna e Justificação para aqueles que se arrependem e creem. Cristo se torna o Ponto de Contato: Ele cumpre a sentença de morte em nosso lugar e oferece a Sua justiça. O único caminho para sair do "fundo do poço" da mente reprovável e da condenação é render-se à graça e à misericórdia de Deus, reveladas na cruz.


Augustus Nicodemus. 09. O Fundo do Poço (Rm 1.28-32). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CM_A_z-dGZg&list=PLQ__KBt7xtI-XkAaKZmLolb4VlGsMDex1&index=9.

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há 6 dias
Matéria: Bíblia
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