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A Importância de Conhecer o "Incompreensível"

O estudo acerca do caráter de Deus é o fundamento de toda a vida cristã. Frequentemente, aborda-se a teologia como um exercício puramente acadêmico, desconectado da prática diária. No entanto, compreender quem Deus é não apenas informa o intelecto, mas molda a adoração e a vivência da fé. Como observou o teólogo Arthur Pink, um Deus desconhecido não pode ser verdadeiramente confiado, servido ou adorado. A ignorância sobre a natureza divina é, portanto, um obstáculo direto à piedade.

Ao adentrar no estudo dos atributos divinos, o ser humano se depara imediatamente com uma limitação fundamental: a disparidade entre a mente finita e o Deus infinito. Tentar "definir" Deus é uma tarefa impossível no sentido estrito, pois definir implica limitar ou cercar algo dentro de fronteiras compreensíveis. Deus, sendo infinito, excede qualquer categorização humana completa.

Neste contexto, surge uma distinção teológica crucial: a diferença entre a incompreensibilidade e a incognoscibilidade de Deus.

"Dizer que Deus é incompreensível não significa que Ele é incognoscível. Significa que, embora possamos conhecê-Lo verdadeiramente através da Sua revelação, jamais poderemos conhecê-Lo exaustivamente."

Se Deus fosse totalmente compreensível por mentes humanas, Ele deixaria de ser Deus, pois caberia dentro da limitação do intelecto criado. Por outro lado, se Ele fosse totalmente incognoscível (impossível de ser conhecido), nenhuma religião ou relacionamento seria possível. O equilíbrio bíblico reside no fato de que Deus se revelou de forma suficiente para a salvação e para a adoração, ainda que sua essência permaneça um mistério insondável em sua totalidade.

Para organizar o estudo desse Ser infinito, a teologia sistemática tradicionalmente divide as qualidades divinas — ou perfeições — em duas categorias principais:

  1. Atributos Comunicáveis: São aqueles que Deus compartilha, em certa medida, com os seres humanos criados à Sua imagem e semelhança. Exemplos incluem o amor, a justiça, a misericórdia e a sabedoria. Embora existam de forma perfeita em Deus e imperfeita no homem, há uma analogia entre eles.
  2. Atributos Incomunicáveis: São as perfeições exclusivas de Deus. Não há correspondência na criatura; elas pertencem unicamente ao Criador e definem a distinção radical entre o Ser divino e tudo o que foi criado. Exemplos incluem a onipresença, a onipotência, a eternidade e a imutabilidade.

É sobre esta segunda categoria, os atributos incomunicáveis, que recai a necessidade de um estudo aprofundado. Eles nos lembram que Deus não é apenas uma versão ampliada do ser humano, mas o "Totalmente Outro", o Criador transcendente que não depende de nada fora de Si mesmo para existir. Reconhecer essas características é o primeiro passo para curar a idolatria sutil de criar um deus à nossa própria imagem.


Definindo os Atributos e a Simplicidade Divina

Para avançar na compreensão da natureza de Deus, é necessário definir com precisão o que a teologia entende por "atributos". No uso comum da linguagem, um atributo é uma qualidade que se atribui a um sujeito. Por exemplo, dizemos que uma pessoa é forte, sábia ou bondosa. Nesses casos, a força, a sabedoria e a bondade são qualidades que a pessoa possui, mas que são distintas da sua essência. A pessoa poderia perder sua força e continuar sendo humana.

Com Deus, a realidade é fundamentalmente diferente. Os atributos de Deus não são características que Ele possui ou adquiriu; eles são o que Ele é. Deus não "tem" amor como uma qualidade adjetiva; Ele é amor. Ele não "tem" vida; Ele é a vida. Portanto, os atributos divinos são perfeições inseparáveis da Sua essência.

"Os atributos de Deus não são partes de Deus. Deus não é um composto de amor, mais justiça, mais poder, mais sabedoria. Ele é plenamente amor, plenamente justiça, plenamente poder e plenamente sabedoria em Sua totalidade."

Esta compreensão nos leva a uma das doutrinas mais difíceis e essenciais da teologia clássica: a Simplicidade Divina.

O termo "simples", neste contexto teológico, não significa "fácil de entender" ou "simplório". Significa "não composto". Algo simples é algo que não é formado pela junção de várias partes. Tudo no universo criado é composto. O ser humano, por exemplo, é composto de corpo e alma, de matéria e forma, de ato e potência. Um carro é composto de motor, rodas e chassi. Se você retirar as peças, o carro deixa de funcionar.

Deus, contudo, é espírito puro. Ele não é feito de partes. Se Deus fosse composto de partes, haveria algo anterior a Ele ou maior que Ele que uniu essas partes.

  1. A Unidade dos Atributos: Devido à simplicidade divina, não há conflito entre os atributos de Deus. Ele nunca precisa suspender Sua justiça para exercer Sua misericórdia. Em Deus, justiça e misericórdia são, em essência, a mesma coisa operando de modos diferentes para conosco.
  2. A Impossibilidade de Divisão: Não podemos dizer que o amor de Deus é maior que a Sua ira, ou que a Sua santidade é mais importante que a Sua bondade. Como Ele não tem partes, Ele é todo santidade e todo bondade simultaneamente.

A Bíblia reforça essa visão ao declarar a natureza espiritual de Deus, afastando qualquer noção de composição física ou metafísica que limitaria o Criador.

"Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade." (João 4:24)

Entender a Simplicidade Divina protege o cristão de adorar um ídolo mental — um deus que é, por vezes, um "avô benevolente" que ignora o pecado, e, em outras, um "juiz irado" sem compaixão. O Deus verdadeiro é perfeitamente integrado, simples e absoluto em cada uma de Suas perfeições.


A Independência de Deus (Aseidade)

Um dos atributos que mais distingue o Criador de suas criaturas é a Sua absoluta independência. Na teologia, essa característica é tecnicamente denominada Aseidade, termo derivado do latim a se, que significa "de si mesmo". Dizer que Deus possui asseidade é afirmar que Ele é autoexistente; a razão da Sua existência reside n'Ele mesmo, e não em uma fonte externa.

Para compreender a magnitude deste atributo, basta observar a condição humana. Todo ser humano é um ser dependente e derivado. Dependemos de nossos pais para nascer, do oxigênio para respirar, de alimentos para obter energia e, ultimamente, de Deus para sustentar nossa própria vida a cada segundo. Não possuímos vida inerente; a vida nos é emprestada.

Deus, em contrapartida, não depende de nada nem de ninguém.

"Porque, como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo." (João 5:26)

Este versículo destaca que Deus não extrai vida de outra fonte; Ele é a Fonte. Isso tem implicações profundas sobre como entendemos a criação do universo e da humanidade. É comum ouvir a ideia equivocada de que Deus criou o homem porque estava "solitário" ou porque precisava de alguém para amar. Tal pensamento, embora possa parecer poético, é teologicamente incorreto e diminui a glória divina.

Se Deus criasse por necessidade (solidão, carência de adoração), Ele seria um ser incompleto, dependente da criação para preencher um vazio. No entanto, a Bíblia e a sã teologia afirmam que Deus, sendo Trindade, sempre desfrutou de perfeita comunhão, amor e glória entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo antes da fundação do mundo.

Portanto, a criação não foi um ato de necessidade, mas um ato de transbordamento de bondade e livre vontade. Ele não nos criou para obter algo que Lhe faltava, mas para compartilhar a glória e a beatitude que Ele já possuía plenamente.

A independência de Deus também corrige a nossa postura na adoração e no serviço cristão. Muitas vezes, agimos como se estivéssemos fazendo um favor a Deus ou como se a Sua obra dependesse da nossa habilidade para não fracassar. O apóstolo Paulo confrontou essa mentalidade no Areópago, em Atenas:

"O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas." (Atos 17:24-25)

Deus não precisa de nossos cultos, do nosso dinheiro ou da nossa obediência para ser Deus. Ele nos convida a participar de Sua obra não porque Ele é incapaz de fazê-la sozinho, mas para nos conceder o privilégio da cooperação. Reconhecer a Aseidade de Deus é, paradoxalmente, o que nos dá segurança: se Ele não precisa de nada fora de Si, Ele não pode ser chantageado, manipulado ou coagido. Ele é plenamente livre e autossuficiente.


A Imutabilidade de Deus: Ele Pode Mudar?

Vivemos em um mundo de constante fluxo e transformação. Pessoas mudam de opinião, governos mudam leis, o clima altera as estações e até mesmo o universo físico está em expansão e mudança. Diante dessa realidade instável, a doutrina da Imutabilidade de Deus surge como uma âncora firme para a fé cristã. Ela afirma que Deus é imutável em Seu ser, perfeições, propósitos e promessas.

A lógica por trás da imutabilidade divina é inatacável. Para que qualquer ser mude, ele deve passar por uma de duas situações: ou muda para melhor, ou muda para pior.

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  • Se mudasse para melhor, significaria que antes ele não era perfeito.
  • Se mudasse para pior, deixaria de ser perfeito.

Como Deus é a soma de todas as perfeições em grau infinito, qualquer mudança seria impossível, pois Ele já é o máximo em tudo o que é. Ele não aprende coisas novas, pois é onisciente; Ele não perde força, pois é onipotente; Ele não evolui moralmente, pois é santo.

A Bíblia é enfática ao declarar essa estabilidade absoluta:

"Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos." (Malaquias 3:6)

"Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação." (Tiago 1:17)

O "Arrependimento" de Deus

Apesar da clareza dessa doutrina, surgem questionamentos baseados em passagens bíblicas que parecem sugerir o contrário. Textos como Gênesis 6:6 ("Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem") ou a narrativa de Jonas, onde Deus parece mudar de ideia quanto à destruição de Nínive, são frequentemente citados. Como conciliar a imutabilidade com o "arrependimento" divino?

A resposta reside na compreensão da linguagem bíblica. A Escritura utiliza figuras de linguagem chamadas antropopatias (atribuição de sentimentos humanos a Deus) para tornar a ação divina compreensível à nossa mente finita.

Quando a Bíblia diz que Deus se "arrependeu", ela não está descrevendo uma mudança no ser ou no plano eterno de Deus, mas sim uma mudança na Sua relação com o homem ou no Seu modo de agir exterior.

  1. A Perspectiva Humana: De baixo para cima, quando o homem muda seu comportamento (de pecado para arrependimento), a resposta de Deus muda (de juízo para misericórdia). Aos olhos humanos, parece que Deus mudou.
  2. A Perspectiva Divina: Na realidade, o caráter de Deus permaneceu inalterado: Ele sempre julga o pecado e sempre perdoa o arrependido. O que mudou foi a posição do homem diante da lei imutável de Deus.

Portanto, Deus não é estático ou apático; Ele interage com a história. Contudo, suas reações estão sempre em perfeita harmonia com Seu caráter eterno e decretos pré-estabelecidos. Saber que Deus não muda é o maior conforto do cristão: significa que Seu amor não oscila conforme os dias, que Sua justiça não é corrompível e que Suas promessas de salvação são irrevogáveis.


A Infinitude Divina: Perfeição, Eternidade e Onipresença

Quando afirmamos que Deus é infinito, estamos declarando que Ele é isento de quaisquer limitações. Esta infinitude se aplica a todas as Suas perfeições: Seu conhecimento é sem limites, Seu poder é inesgotável e Sua santidade é imensurável. No entanto, para fins didáticos, a teologia aplica o conceito de infinitude especificamente à relação de Deus com o tempo (Eternidade) e com o espaço (Onipresença).

Eternidade: O Deus Além do Tempo

A eternidade de Deus não significa apenas que Ele vive para sempre ou que Ele não morre. Significa que Ele transcende a própria categoria de tempo. O tempo é uma criação de Deus, uma medida para seres finitos marcarem sucessão de eventos (passado, presente e futuro). Deus, sendo o Criador, não está sujeito à Sua criação.

Ele não teve um "ontem" e não terá um "amanhã" no sentido de mudança ou devir. Ele vive em um eterno "agora". Para Deus, toda a história — do Gênesis ao Apocalipse — está patente diante dos Seus olhos simultaneamente.

"Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, mesmo de eternidade a eternidade, tu és Deus." (Salmos 90:2)

Esta realidade explica o nome pactual de Deus revelado a Moisés: "EU SOU O QUE SOU" (Êxodo 3:14). Ele não disse "Eu fui" ou "Eu serei". Ele simplesmente é. Isso oferece um consolo profundo: Deus nunca é pego de surpresa pelo futuro, pois Ele já está lá, e nada do nosso passado é esquecido por Ele, pois tudo está sob Seu soberano controle.

Onipresença: A Totalidade de Deus em Todo Lugar

Em relação ao espaço, a infinitude divina é chamada de Onipresença. Isso significa que Deus não tem tamanho, dimensões espaciais ou forma física que O limite a um local específico. Ele não é um gigante que ocupa o universo inteiro; Ele é Espírito, e como tal, permeia toda a criação sem se misturar com ela.

É crucial fazer uma distinção teológica para evitar o erro do panteísmo (a crença de que Deus e o universo são a mesma coisa). A doutrina bíblica ensina que Deus é distinto da criação, mas está presente em cada ponto do espaço com toda a Sua essência.

"Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também." (Salmos 139:7-8)

Este salmo levanta uma questão intrigante: Deus está no inferno? A resposta teológica é sim. A onipresença implica que não há lugar onde Deus não esteja. A diferença reside no modo da Sua presença:

  • No Céu: Deus está presente manifestando a Sua glória, graça e comunhão bendita com os anjos e os santos.
  • Na Terra: Deus está presente sustentando a vida, operando a providência e oferecendo graça comum.
  • No Inferno: Deus está presente não em graça ou benevolência, mas manifestando a Sua justiça e ira santa. O inferno não é a ausência da presença ontológica de Deus (pois Ele sustenta a existência daqueles seres), mas é a ausência absoluta da Sua bondade e favor.

Portanto, a onipresença é uma faca de dois gumes: para o crente, é a garantia de que nunca estamos sós, não importa quão profunda seja a cova ou quão distante seja o lugar. Para o ímpio, é a terrível certeza de que não há esconderijo possível onde se possa fugir do olhar Daquele a quem teremos de prestar contas.


Conclusão: O Impacto Prático da Teologia na Adoração

O estudo dos atributos incomunicáveis de Deus — Sua asseidade, imutabilidade, infinitude e simplicidade — não tem como propósito final o mero acúmulo de conhecimento intelectual. A teologia, quando verdadeira, deve inevitavelmente conduzir à doxologia (adoração). Conhecer a Deus deve transformar a maneira como vivemos, oramos e nos relacionamos com o mundo.

Ao contemplarmos um Deus que é independente, percebemos a nossa total dependência, o que deve gerar humildade. Ao olharmos para um Deus imutável, encontramos estabilidade em meio ao caos da vida moderna. Ao meditarmos na onipresença e onisciência divinas, somos impelidos a uma vida de integridade e santidade, sabendo que todas as nossas ações, públicas ou secretas, são vividas Coram Deo (diante da face de Deus).

A reação bíblica padrão diante da revelação da majestade de Deus nunca é a indiferença ou a arrogância, mas sim o temor reverente. Quando o profeta Isaías viu o Senhor no trono, sua reação imediata foi de quebrantamento:

"Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos." (Isaías 6:5)

Semelhantemente, quando Pedro percebeu a divindade de Cristo na pesca maravilhosa, ele prostrou-se dizendo: "Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador" (Lucas 5:8). O conhecimento do Deus Santo expõe a nossa pequenez e o nosso pecado, mas, graças ao Evangelho, não nos destrói; ao contrário, nos convida à restauração e ao louvor.

Portanto, que o entendimento da grandeza "incompreensível" de Deus não nos afaste d'Ele por medo, mas nos atraia a Ele em adoração. Que possamos confiar n'Ele não como um amuleto ou uma projeção de nossos desejos, mas como o Soberano Senhor do tempo e da história. Afinal, a vida cristã se resume em conhecer o Deus verdadeiro e, ao conhecê-Lo, render a Ele toda a glória devida ao Seu nome.

Este é o convite final da teologia: que o nosso estudo sobre Deus resulte em um coração que O ama mais profundamente e O serve com maior reverência.


Sexta Igreja. OS ATRIBUTOS DE DEUS - PARTE 1 | AULA 09 | CURSO DE TEOLOGIA REFORMADA | PR DIEGO RUY. Disponível em: https://youtu.be/RZuF9TaGVOk

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há 3 minutos
Matéria: Bíblia
Artigo

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